Comida e bebida

Em cartaz: O Mineiro e o Queijo

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Apaixonados por gastronomia, especialmente por queijos, não podem deixar de conferir o documentário do cineasta Helvécio Ratton, que será apresentado nesta segunda-feira, dia 21 de outubro, no Teatro dos Bancários (314/315 Sul). O filme conta a saga dos produtores de queijo não-pasteurizado de Minas Gerais, que até então não podiam comercializar seu produto fora dos estado. A sessão tem início às 20 horas, com entrada franca.

Em agosto deste ano, no entanto, o governo de Minas assinou uma instrução normativa junto com o Ministério da Agricultura para facilitar o registro de queijos artesanais elaborados a partir do leite cru. A iniciativa beneficia nove mil produtores das cinco regiões, dentre elas o Serro e a Canastra. Antes da normativa, somente 240 estavam aptos a comercializar o produto fora de Minas Gerais.

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De acordo com a lei brasileira, os queijos artesanais precisavam ser maturados no mínimo 60 dias de maturação para que pudessem ser vendidos fora de seus estados. Agora, os queijos artesanais de qualquer unidade da federação poderão chegar a outras localidades, desde que tenham qualidade certificada.

Aproveitando a polêmica, resgatei uma entrevista que fiz com o cineasta Helvécio Ratton, na época do lançamento do documentário, que ocorreu em Pirenópolis, no Festival Slow Filme.

Aproveite e escute o programa desta segunda-feira sobre o assunto, aqui.

“O cinema pode cumprir função político-social”

Ele é um dos cineastas mais premiadosdopaís.Embora a maioria dos brasileiros o conheça pela direção de “O Menino
Maluquinho”, Helvécio Ratton tem muito mais para contar do que a história das filmagens da produção que personificou a criação de Ziraldo. Na estrada há mais de 30 anos, o mineiro de Divinópolis estreou nas telas com o documentário “Em nome da razão”,em 1979, que relatou a situação dos pacientes psiquiátricos e foi um dos instrumentos para a mudança do sistema manicomial no Brasil. Depois de três décadas, dois curtas e seis longas-metragens, ele retorna ao documentário com “O mineiro e o queijo”,como subtítulo “Patrimônio proibido”, que já está cartaz em algumas cidades, mas sem previsão de estreia em Brasília. Mais uma vez, o diretor quer fazer cumprir a função sociopolítica do cinema ao colocar sob os holofotes a situação dos queijeiros artesanais de Minas Gerais, que não podem escoar seus produtos pelo Brasil e o mundo por conta de uma legislação antiga e contraditória.

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Qual a sua relação com o queijo?

Nós mineiros temos uma relação muito forte com o queijo. Quando pequeno, morei no interior de Minas, inclusive perto da região do Serro, que é queijeira, pelo fato do meu pai ser juiz de Direito.Na minha casa sempre tinha queijo, cresci com ele fazendo parte da minha vida.

Como surgiu a ideia do filme?

Quando o queijo foi registrado como patrimônio cultural me deu muita vontade de fazer o filme para mostrar a tradição,
esse lado poético e histórico. Começamos a fazer uma pesquisa e foi quando a gente encontrou uma lei estadual que
permite o  queijo minas artesanal circular em Minas Gerais, mas não em outros estados, porque ele é feito com leite cru, como outros queijos importados que são vendidos nos nossos supermercados. Então,comecei a achar algo estranho nesse reino,uma coisa meio absurda,meio nonsense, que permite produtos estrangeiros feitos em condições desconhecidas para nós e não os nossos.

Como o senhor vê a lei?

Essa lei de 1952 é americanizada. Acontece que as condições, as bactérias, o clima de lá são diferentes. Os franceses chamam isso de imperialismo higiênico dos Estados Unidos. Eles quiseram implantar no mundo inteiro a ideia de que
não se pode fazer queijo de leite cru. Mas os americanos têm muito pouco a ensinar sobre alimentação. O queijo artesanal é consumido em Minas por mais de 300 anos e nunca matou ninguém. Se fizesse mal, a população já teria sido extinta há muito tempo. Além disso, a gente percebe que há um lobby grande dos laticínios que querem tirar do mercado os queijeiros artesanais. Com isso, há uma ameaça a 30 mil famílias e 150 mil empregos ligados ao queijo. É importante que a sociedade saiba a situação dessas pessoas.

Então,o filme faz um alerta sobre a condição dessas pessoas?

Sim. Eu acho que o cinema pode cumprir também uma função político-social.

Qual foi o maior desafio?

A maior surpresa foi a questão da legislação. A gente queria entender porque as leis são diferentes.
Porque que a lei em Minas diz uma coisa e a lei federal diz outra.Decerta forma, a gente mudou o olhar, que no início estava ligado a uma coisa mais cultural,com a tradição e a história. Depois olhamos também para a contradição econômica.Acho que o grande desafio foi o de lidar com essas duas vertentes, como cultural e o político. Por isso, acho que as duas estão entrelaçadas no filme. O desafio foi entender e transmitir para o telespectador a complexidade do assunto. Percebemos que as entidades e as pessoas envolvidas com o queijo nunca sentaram em torno de uma mesa para discutir o assunto. O filme coloca todos os envolvidos na tela e faz isso.

Quanto tempo o senhor levou para fazer o filme?

As filmagens demoraram cerca de um mês. Estivemos nas três principais regiões queijeiras de Minas Gerais: o Serro, onde nasce o Jequitinhonha; a Serra da Canastra, que fica no Sudoeste de Minas, próxima a São Paulo; e o Alto do Paranaíba, que é mais perto de Goiás.

Que personagens mais emocionaram o senhor?

Os produtores de queijo. Nessas viagens, tive grandes encontros com pessoas extremamente dignas. Os produtores de queijo agem como se fossem guardiões da tradição, acham que fazer queijo é uma honra e querem passar o conhecimento para os filhos. Mas o smais jovens estão perdend oo interesse, porque o preço está baixo, o mercado não tem muita perspectiva, então eles ficam muito angustiados com isso. Todos eles nos receberam com extrema simpatia e perceberam a importância do filme. Eles abriram suas casas de uma forma muito generosa, sempre tinha uma mesa mineira, com pães de queijo inacreditáveis, cafés, quitandas.

O senhor chegou a engordar nesse período?

Um quilo e meio.

Qual a diferença entre o queijo minas artesanal e o que a gente encontra no resto do país?

Há uma desinformação sobre o verdadeiro queijo minas. É como se ele só fosse conhecido pelos mineiros.
O que é vendido no resto do Brasil não é verdadeiro. É um queijo branco.O que marca o queijo minas é a maturação. Hoje, o mercado quer consumir o fresco, que não era consumido antes, inclusive por conta da saúde do queijo. Ele é chamado de curado, porque secura durante a maturação. Quando ele está fresco, tem uma pequena infecção e, quando as bactérias benigna vencem, ele fica curado, sem nenhuma contaminação. Então, é preciso ter esse processo de maturação. As pesquisas que foram feitas na Universidade Federal de Viçosa comprovam que o queijo do Serro com quinze dias de cura é bom para consumo. O da Canastra, com 21 dias, é ótimo para o consumo.

A lei federal pede 60 dias. Com esse tempo,o queijo fica muito duro e o mercado não o quer. O queijo artesanal reflete o sabor de cada região, expressa o terroir, assim como os vinhos.Em uma mesma casa, onde quatro pessoas faze queijo, o feito por um é diferente do feito pelo outro, porque uma põe mais sal, o outro menos, então a mão do produtor também influencia no sabor.

Qual o aprendizado adquirido depois do filme?

A gente percebeu uma semelhança entre nós,pequenos produtores de cinema e os produtores de queijo. Assim como eles, nós não temos uma indústria. Cada filme que a gente faz tem um sabor diferente, único. E são filmes que têm a mesma dificuldade de mercado que os queijos deles têm. Aprendemos com eles essa valorização que eles dão à produção. Aprendemos muito sobre o queijo, a cultura adquirida sobre esse produto foi muito interessante. A gente acabou se tornando mais mineiro.

Quais as expectativas com esse filme?

Esperamos que ele possa ajudar a mudar essa lei por meio da informação e da provocação do debate. As pessoas é que mudam as leis, então a ideia do filme é provocar a reflexão. A gente não tem muita expectativa de público porque a gente sabe que documentário tem um apelo menor e ainda sendo de um tema específico como o queijo, vai interessar quem gosta de temas ligados à alimentação ou quem é mineiro.

Que balanço o senhor faz da carreira como cineasta?
Acho balanço meio complicado de fazer. Prefiro olhar a carreira como aquilo que estou mostrando neste momento.

Tem um filme favorito?

O melhor filme é sempre o que ainda vou fazer. Meu próximo projeto é sobre os diamantes desaparecidos de Minas Gerais.

Como o senhor avalia o desenvolvimento do cinema brasileiro?

Tivemos um período muito forte nos anos 1970, quando ele chegou as e equiparara o cinema norte americano.
Mais tarde, no início do governo Collor, a Embrafilme foi liquidada e a produção, praticamente extinta. Nos anos 1990, houve uma retomada lenta e vieram filmes como “Carlota Joaquina”, “O Menino Maluquinho”. De lá para
cá, a gente vem ocupando uma faixa maior do mercado, entre 12% e 14%, mas ainda é muito pouco em relação ao que já foi.

A distribuição é o problema?

Distribuir e exibir os filmes é muito complicado. Nossa rede é muito pequena e a maior parte das salas está em shoppings, que são ligados ao circuito norte-americano.Isso deixa o cinema brasileiro em segundo plano. Faltam salas de cinema mais populares no Brasil.

Ainda é difícil fazer cinema?

É penoso. E tem muita gente competindo, muitos projetos no mercado. Muita gente quer filmar, isso acaba numa competição. Na verdade, seria preciso encontrar fórmulas de a produção não ser tão penosa e não demorar tanto tempo.

 

 

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