Comida e bebida

Enquanto o Mosaico de Paulo Tarso não vem

Enquanto o Mosaico de Paulo Tarso não vem

Segura que lá vem textão! Aqui começa uma série para falar de experiências gastronômicas, então não vou me restringir a número de caracteres e a essas regrinhas de internet.  Até porque não gosto de meias palavras. Se você gosta mesmo de comida, vai gostar de ler e de salivar com esse relato! Então, bom apetite!

Sexta-feira (2/2). Por volta das 20 horas, cheguei ao endereço da escola onde o Paulo Tarso ministra suas aulas de gastronomia em várias turmas a cada semana, na Asa Norte. Porém, o convite era para outra atividade. A cada mês, sem data marcada com muita antecedência, o chef elabora um menu especial, que proporcione ao comensal mais do que um simples jantar. A experiência custa R$ 350 e as etapas são todas harmonizadas.

A intenção é reviver memórias, provocar os sentidos e elaborar pratos nunca antes tentados em sua cozinha. “Esse menu é bem egoísta”, afirma ele, justificando que essa é a ocasião em que desafia seus conhecimentos adquiridos no Culinary Institute of America CIA), onde estudou gastronomia, nas passagens por restaurantes do Peru e nas viagens que realiza periodicamente. Na última, registrou um jantar memorável no Eleven Madison, um dos melhores restaurantes do mundo, localizado Nova York.

Ao chegar à cozinha, perguntei sobre o menu do dia. O chef me respondeu que era segredo, que eu só iria saber na hora. Mas, curiosa que sou, passei o olho sobre as bancadas para ver se descobria algo. Deu apenas para pescar um ingrediente ali, outro aqui, mas nem de longe descobrir como eles viriam à mesa posteriormente.

Após uma breve conversa com os convidados, na qual explica que esse menu foi inspirado em momentos da adolescência, a música fica ligeiramente mais alta e a cozinha envidraçada se fecha para uma reunião rápida. É nela que o chef repassa todo o menu com a equipe, mostrando em seu tablet os desenhos com as montagens dos pratos. E não é que ele desenha bem?!

A partir daí, já sei o que será servido. Volto para o salão e espero o show começar. O primeiro prato tem ostras chegadas de Santa Catarina naquele dia. Paulo Tarso conta que quis levar o mar à mesa. Na louça azul, dispôs pedras de aquário e algas. Para reproduzir o cheiro de maresia, usou água do mar morna e gelo seco, para fazer subir o aroma característico. No meio do prato e da fumacinha, está a casca do molusco e dentro dela uma esfera que emulava uma pérola. O ceviche presente no interior foi preparado com as ostras picadas, leite de coco tailandês e limão. Tinha textura macia, uma leve gordura e sabores equilibrados. Queria uma dúzia delas. Ficou ótimo com a companhia do espumante Mumm.

O segundo prato elevou o cachorro quente a um novo patamar. O pão brioche elaborado pelo Ernesto Café foi recheado com uma salsicha de carne Beef Passion curada por 24 horas e defumada por 45 minutos.

Ela entrou no pão após ser branqueada e grelhada e ali ganhou a companhia de uma geleia de tomates com pimenta biquinho, picles de cebola roxa, maionese caseira de ervas e três rodelinhas de batatas fritas. Para acompanhar, Gummy (suco de maçã e vodca, finalizado pelo próprio comensal com um pó artesanal sabor limão siciliano preparado pelo chef). Gente, suco Gummy é muito adolescência!

Daí que a coisa começou a ficar mais séria com o bacalhau que passou pela grelha e chegou à mesa com um purê suculento de brócolis, uma crostinha de pele de salmão desidratada e alho, e uma “batata” (ou trouxinha da casca recheada com purê dela mesma e queijo Serra da Estrela). Execução perfeita. A harmonização com o Topázio Reserva, do Douro, ficou muito boa.

Mas o meu favorito foi esse próximo prato. Ao chegar à mesa, parecia um medalhão de filé. Mas a capa era só para esconder o picadinho, e que picadinho, do recheio. Um combo de carne bem pensado, com textura perfeita em ambos preparos.

Por cima, uma representação de ovo, cuja clara era na verdade um líquido extraído de queijo Grana Padano e a gema era de codorna mesmo. Esse detalhe fez toda a diferença, especialmente se combinado com o purê de banana da terra e a farofinha crocante que vinha por cima. Para acompanhar, Ilaia Reserva Cabernet Sauvignon, cujo corpo se deu muito bem com peso do prato.

Um “capuccino” elaborado com funghi, café, chocolate e espuma de bacon limpou as papilas com a sua acidez delicada. Gostei do equilíbrio dos sabores. Dava para sentir todos eles e de uma forma muito harmônica.

A polêmica do churros

Até então, eu nem estava muito empolgada com a sobremesa e vou explicar o porquê. Durante a curta reunião, Paulo revelou que faria uma releitura de churros. Gente, eu sou a pessoa que tem mais implicância com essa coisa de releitura de churros. Tudo começou com aquele bolo que ficou famosinho aqui em Brasília. Para mim, aquilo é uma aberração. Além de ser extremamente doce, tem a massa seca e aquelas coisas murchas ao redor que me dão paúra.

Outra coisa que tenho implicância é com o tal brigadeiro que se diz de churros. Arrghhh! Vamos lá: essa receita para ser chamada assim requer uma massa, certo? Onde está a massa neste brigadeiro, gente? Para mim, isso não passa de um docinho de canela. Ponto! Prefiro ficar com a receita original mesmo, aquela de porta de escola que me leva de volta aos meus 15 anos.

Explicada a minha treta com a coisa, voltemos ao menu. Eu bem que poderia ter dispensado, mas não costumo fazer desfeita. Ainda bem, porque finalmente encontrei uma releitura de churros que vale a pena. Obrigada, Paulo Tarso! Essa foi uma das melhores sobremesas que eu comi nos último dois anos. Tá ali coladinho no Bolo da Ivone, no milkshake homônimo do Ricco Burger, e na Torta Parisiense.

A releitura de churros que vale a pena

Veja só a descrição que já é quase uma receita para você reproduzir em casa. O pão brioche (também do Ernesto Café) é congelado, depois picado na mão mesmo e passado na frigideira com manteiga. Em seguida, é envolvido numa mistura de canela com açúcar e vai para o forno. Antes de dourar por completo, mais um banho naquela misturinha marota e mais um tempinho em temperatura alta. Daí, o chef dilui doce de leite uruguaio com um pouco de leite e acrescenta uma certa pitada de flor de sal. E, para completar, faz um sorvete de canela bem suave com nitrogênio líquido. Esta última parte eu sei que será mais complicada de fazer em casa, mas eu vou tentar uma receita que tem como base o creme de confeiteiro. Espero que chegue perto dessa maravilha. Combine com o Sweet Goal Late Harvest e vai ser sucesso garantido!

Resumo da ópera

Que menu incrível e nada bobo. A cada encontro, reafirmo a minha percepção de que Paulo Tarso é um cara sério, concentrado. Gosto de pensar que esse jeito de ser (mais foco e menos oba oba) é o que faz dele um dos cozinheiros em quem eu mais acredito atualmente em Brasília na atualidade. O próprio diz que fica insuportável durante a semana em que vai executar esse menu. Eu entendo, afinal ele sabe a responsabilidade que tem de satisfazer quem confia em seu trabalho e lhe paga para executá-lo. Muitos têm esquecido desse “detalhe”.

Bom, tudo isso para dizer que, se fosse você, ficava ligado no perfil do chef no Instagram ou em seu site para saber quando será a próxima edição do jantar. Lá também você pode se inscrever para os cursos, que ensinam técnicas mais simples, mas também valem a pena para quem quer adquirir conhecimento e impressionar em casa.

Esta são as alternativas para acompanhar o talento do moço, enquanto o restaurante Mosaico não abre as portas de vez. Pensando bem, creio que um endereço com menu fixo e funcionamento regular nem seriam necessários. Bastava Paulo se propor a fazer esses menus especiais com mais frequência. Conversamos sobre isso. Quem sabe ela não muda de ideia?

Arthur Feitosa, Paulo Tarso e Roberta Céu
Parte da equipe: Arthur Feitosa e Roberta Céu (Foto: Pedro Santos)

Agradecimentos especiais à equipe: Arthur Feitosa, Diego Santos e Roberta Céu.

Fotos: Pedro Santos

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