Comida e bebida

Mulher pode fazer sushi?Telma Shiraishi prova que sim

Mulher pode fazer sushi?Telma Shiraishi prova que sim

Existe uma crença na cozinha japonesa de que mulher não pode fazer sushi. “Tudo fake news”, diz a chef Telma Shiraishi, embaixadora da culinária japonesa no Brasil e dona de duas unidades do restaurante Aizomê, em São Paulo.

As explicações para preterir as mulheres são controversas. Uma delas diz que a mão feminina é mais quente e que isso interferiria no frescor dos frutos do mar usados na culinária. Outra, é que as oscilações hormonais prejudicariam a dedicação e a percepção de aroma e sabor dos alimentos.

Tekkadon (Foto: Rafael Salvador)

A neta de japoneses colocou abaixo o preconceito e ganhou destaque num mercado ainda machista. Ela esteve em Brasília pela primeira vez há alguns dias para participar do Festival Taste. Os pratos que trouxe para o evento foram disputadíssimos. Eu comi todos e aprovei demais o rámen, o sunomono de vieira, os camarões crocantes e o tekkadon. Pudera! A comida dela é de uma delicadeza ímpar e reflete muito a humildade com que ela se coloca diante do que a natureza coloca em suas mãos.

Aproveitei e bati um papo com Telma Shiraishi, pela qual tenho muita admiração. A seguir, um pouco da história e de suas percepções sobre a gastronomia japonesa.

Confira a entrevista

Por muito tempo, existiu a crença de que mulher não fazia sushi por ter a mão muito quente. Como é quebrar esse paradigma?

Isso é fake news. Essa crença servia para validar o machismo, para não dar espaço para as mulheres. Também diziam que as oscilações hormonais mudavam o humor e a percepção do olfato e o paladar e que isso impediria as mulheres de terem um trabalho dedicado constante. Hoje em dia, a gente sabe que a mulher pode fazer o que quiser.

Você foi eleita pelo governo japonês como a representante da culinária do país. O que isso significa para você?

Não aconteceu do dia para a noite. Eu tenho restaurante há mais de 16 anos. É uma questão de mostrar seriedade e compromisso, estar sempre no restaurante com um trabalho de muito respeito. Tive de fazer uma busca em minhas origens, porque eu sou brasileira, mas neta de japoneses. Foi por meio do restaurante que eu entendi as minhas raízes e referências. Aqui no Brasil, as pessoas olham para mim e não acham que sou brasileira. Daí, eu vou pro Japão e lá eles sabem que não sou japonesa. Tive uma crise de identidade. E foi na cozinha que eu me encontrei, que eu consegui resolver essa dualidade. Entendi, na verdade, que tenho sorte, porque posso fazer o melhor de dois mundos. Junto o Brasil e o Japão, por meio da cozinha.

Camarões crocantes

A cozinha profissional ainda é dominada por homens. Como é fazer parte desse ambiente da gastronomia japonesa que é ainda mais masculino? Que barreiras você teve de ultrapassar por ser mulher?

Quando eu assumi sozinha o restaurante, outros chef e donos de estabelecimentos japoneses disseram que não iria durar muito. Iam clientes no restaurante que adoravam a comida e pediam para falar com o chef. Daí, quando eu ia à mesa, diziam “não, eu quero falar com o chef”. Não acreditavam que era eu. O que me deixava mais triste era o machismo dentro da minha própria cozinha. Aos poucos, tive de ir reciclando a minha equipe e, naturalmente, hoje eu tenho mais mulheres do que homens nas minhas equipes. Os postos de liderança nos restaurantes são todos femininos. Essa é uma conquista que me deixa muito contente, porque foi uma questão de dar espaço para elas. A maioria delas chega no restaurante, dizendo que não teve chance em outros lugares. Fui criando um novo ambiente de trabalho, com uma nova energia.

Tradição japonesa

O que você acha que conseguiu imprimir na gastronomia japonesa por ser mulher?

Sunomono de veiria

Um olhar inclusivo e afetivo. Não é que eu faço alta gastronomia japonesa. Atendo clientes muito especiais, sou a chef oficial do consulado do Japão em São Paulo, por isso, tenho eventos muito sofisticados. Mas o que eu mais gosto é quando alguém come um prato meu e fala que se lembrou da avó, ou que a comida foi um abraço. Como chef de cozinha, é muito importante entender os ciclos da natureza e quanto custa trazer uma verdura um legume, a dedicação de quem trabalha no campo, como os animais são criados e cuidados. Tudo isso faz diferença. É importante entender as conexões com a natureza, entender e valorizar o trabalho de todo mundo que tá envolvido nessa cadeia. O meu trabalho é uma extensão de que criou, plantou, colheu.

Como é ter esse título de embaixadora da comida japonesa?

É muito mais responsabilidade. Fui num caminho muito forte de trabalhar não somente a culinária, mas a cultura, a filosofia e até espiritualidade. As pessoas me procuram para saber mais. Quero me dedicar mais às aulas, cursos, para ensinar tudo o que aprendi ao longo dos anos.

Como era a sua relação com a cozinha japonesa na sua infância?

A minha mãe sempre cozinhou muito bem. Ia às casas dos meus avós aos fins de semana, tínhamos mesas enormes, com a família toda reunida. A minha mãe e avó ficavam o dia inteiro na cozinha. Eu sempre gostei muito de comer e cozinhar. Meu pai também gostava. Eu nasci em São Paulo capital, mas morei um tempo no interior e foi um grade privilégio ter um contato maior com a natureza.

Delicadeza

A sua comida é muito delicada. Creio que um respiro para o desrespeito que fazem com a culinária japonesa no Brasil.

O princípio da culinária japonesa é o equilíbrio. Então, é importante o entendimento dessa harmonia de cores e sabores, dos ingredientes, temperos e de saber escolher a melhor técnica e o melhor preparo. Às vezes, a intervenção é mínima, porque a gente entende que aquele ingrediente já é incrível. O meu trabalho é entender isso para não fazer coisas demais e mascarar o sabor natural dos produtos.

Salão do restaurante Aizomê, na Japan House

Isso passa um discernimento tão grande. O chef não precisa ser mais que o ingrediente…

É isso. Cozinhar com ego não funciona pra mim. Até porque o meu trabalho é de equipe. É todo um processo, mesmo antes do ingrediente chegar às minha mãos.

Como o público brasiliense reagiu a sua comida?

Fiquei surpresa com a receptividade. As pessoas são muito hospitaleiras, adorei a cidade, os brasilienses. A gente percebe que a qualidade de vida é infinitamente melhor que a de São Paulo.

Confira onde encontrar Telma Shiraishi:
Aizomê
Japan House, Avenida Paulista, 52, 2º andar.
Funciona de terça a domingo, das 11h30 às 16h30.
WhatsApp: (11) 91296-4199

Alameda Fernão Cardim, 39, Jardim Paulista
Funciona de segunda a domingo, das 11h30 às 14h30, e de segunda a sábado, das 18h às 22h.
WhatsApp: (11) 97247-3862

Instagram: @telmashiraishi e @aizomerestaurante

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